segunda-feira, 25 de julho de 2016

Sobre Autocarros Nocturnos (ou Night Buses)

A vida Londrina é uma caixa gigante de surpresas. Entre interacções inesperadas, sabores inspiradores e um mundo de opções, há espaço para muita emoção.
No passado Sábado a vida brindou a Muito Pipi com a maravilhosa, ainda que inesperada, oportunidade de viver como uma verdadeira jovem londrina. O veículo potenciador de experiências típicas? Um autocarro nocturno.
Durante estes quase 21 meses de alegria em Londres, e alguns anos de visitas esporádicas, a oportunidade de embarcar num autocarro nocturno nunca se havia proporcionado. Talvez por não nutrir um particular carinho por autocarros em geral. Talvez pelas histórias que brotam das bocas e olhos dos habitantes da capital inglesa quando aliciados a falar sobre autocarros nocturnos em particular. Reza a lenda que nele habitam criaturas da noite e seus restos mortais, numa variedade que inclui vociferações sem sentido, regurgitações e tudo o que fica no meio.
Mas não. O autocarro nocturno onde entrei era muito mais (e em parte muito menos) do que isso. Com a primeira abertura de portas do condutor vi-me afogada numa onda de perfume embriagante. E assim fui recebida, num caloroso suspiro alcoólico, como que expirado em jeito de boas vindas pelos simpáticos passageiros que por lá viviam eles próprios uma magnificente aventura. Havia-os inanimados, havia-os enojados, havia-os também entusiasmados, transformadores do andar de cima do autocarro numa tasca em andamento recheada de riso estridente e garrafas quase vazias.
Depois de pouco mais de 10 minutos de aventura, ao deslocar-me para a saída, antecipando ansiosamente o momento em que o puro ar Londrino me encheria de novo os pulmões, reparei com surpresa que a tasca ambulante me seguiu. Passado dúvida inicial (quereriam eles ensinar-me as artes do transporte bêbado? Achariam eles que eu fazia parte do fabuloso grupo, possivelmente através de uma cuidadosa observação dos meus olhos que ora se reviravam sinalizando impaciência ora se arregalavam em choque?) suspirei de alívio ao perceber que o grupo festeiro queria apenas acordar um seu amigo que havia sido incapaz de subir ao primeiro andar e jazia sozinho num banco de dois lugares.
"Artur, Artur!", gritavam eles para tentar reanimar o membro da equipa. Não sendo bem sucedido, um dos senhores decidiu-se pela combinação gritaria e abanão. Não funcionou. Surgiu então o famoso estabefeamento amigo e companheiro, cuja dor é conhecida por acordar o mais dorminhoco dos dorminhocos. Estranhamente não resultou. Mas a arma secreta ainda estava por vir. Com confiança, um outro senhor pediu uma garrafa de água. Levou-a então à boca, e com uma técnica inspiradora, cuspiu confiantemente na cara de Artur. À falta de actividade de Artur seguiu-se então um derramamento de água pescoço abaixo, fechado com uma sequência de fortes palmadas nas costas. Artur no entanto permaneceu imóvel. E quanto a Muito Pipi pensava que os companheiros estariam a entrar em pânico, aterrorizados com a descoberta de que Artur poderia eventualmente não estar bem, eis que entra em cena um novo senhor. Que com uma energia contagiante esbofeteou Artur, como quem lhe faz a mais violenta das lavagens ao estômago. Foi aí que o autocarro parou, libertando-me da companhia dos compinchas de Artur e entregando Artur à ambulância mais próxima.
O resto? Uma tranquila e relaxante viagem de taxi até casa, pelo preço da sanidade nocturna, que aqui em Londres custa umas meras 30 libras.

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

terça-feira, 8 de setembro de 2015

A minha avó.

Delicada, sensível, etérea. De olhar profundo, transparente. De alma quente, vulcânica, apaixonada. Passo apressado, escorregadio. Real no porte.
Encantadora. De uma elegância rebelde. Leve, livre, solta. Mãos pequenas. À procura.
Amor ansioso, sôfrego. Entrega total, exigente e insegura. Inquieta. 
Um mar de sentimentos. Brancos, negros, vermelhos e azuis. O sussurro da tranquilidade no grito das minhas agitações‎. O calor do colo. A suavidade dos beijos. A presença constante, completa.
Um corpo pequeno. Veloz. Uma mente curiosa. Desassossegada. Os sentidos. Todos. Juntos. Indomáveis. A eterna alegria inocente. O azul pleno da calma. O perfume dos sentimentos. A força do ser. O desejo do nós. A dúvida. A certeza. A cumplicidade.
A minha avó é sangue. Do meu. Do nosso. Do que não segue o curso das promessas. A minha avó é família. É união. Na presença, na ausência, nas partilhas, nas frustrações. A minha avó é ‎um oceano. De riso, lágrimas e ternura. A minha avó é um refúgio. Azul. Puro. São. A minha avó é amor. Do que desafia, do que transforma, do que liberta.
Em Londres, neste Outono antecipado, ela é o que falta. Numa voz doce, num olhar desejoso e num aconchego apertado, voando entre pingos de luar, sonhos imateriais e lugares mágicos, num brilho inconfundível, ela é tudo o que falta aqui.

sexta-feira, 17 de julho de 2015

"Ainda vale a pena ir para Londres?"

Numa viagem a Portugal fui atingida de forma inesperada mas certeira por uma pergunta: "Ainda vale a pena ir para Londres?"
Verdade nua, crua e possivelmente igualmente dura: não faço ideia. Em grande parte porque me identifico muito pouco com generalizações desenvolvidas a preto ou branco.
E sim, eu vivo em Londres. E sim, estou muito feliz. E sim, aprecio extremamente o clima. E não, não acho que chova muito nem que a vida seja nublada. Mais que tudo: não, não acho que Portugal e Londres representem os extremos de um contínuo entre inferno e paraíso (até porque um é um país e o outro uma cidade).
Pode então o meu entusiasmo londrino acalmar os anseios de uma pessoa que me pergunta se esta é uma boa cidade para viver? Não creio.
É verdade que a minha vinda foi tranquila e a adaptação suave e delicada. Ainda assim, não me sinto minimamente capaz de empurrar mudanças alheias com declarações apaixonadas de sucesso e prosperidade.
A decisão de fazer da capital britânica a minha casa prendeu-se unicamente comigo. Com os meus desejos e com as minhas ambições. E também com os meus medos e vulnerabilidades. Na verdade tudo o que faz de mim quem sou teve impacto na despedida.
Não vim à procura de uma imagem criada por outras pessoas, nem de uma realidade predefinida. Trouxe-me a mim e a um misto de entusiasmo por tudo aquilo que já tinha descoberto antes de me mudar e de medo por tudo aquilo que ainda estava por descobrir. Porque os céus disfóricos da capital refrescam-me. A pontualidade das pessoas é muito mais mitológica do que real. A confusão acalma-me. A frieza tem aquecido as minhas interacções. E Londres é o sítio onde me sinto bem. Eu. Hoje.

terça-feira, 9 de junho de 2015

Entre Kew e Moorgate

Natureza e arquitectura. O mesmo reflexo.

quarta-feira, 3 de junho de 2015

Expulsões londrinas


Londres é uma cidade deslumbrante.
Numa harmoniosa relação entre a história distante e a criação contemporânea. Numa dança entre cultura e arte, onde há uma forte intimidade entre conhecimento e criação. Entre moda e tradição. Entre natureza e... consumismo. 
Haja espaço para acolher tudo o que se pode comprar em Londres. Em particular em amplas e deliciosamente recheadas lojas de departamento como a inevitável Harrods, a irresistível Liberty, a moderna Selfridges, a exclusiva Fenwick, a dinâmica Harvey Nichols e tantas outras como Debenhams, John Lewis e House of Fraser. Cada uma com o seu estilo e posicionamento. Em comum um mundo de marcas, de cheiros, de sabores... e de surpresas.
Sendo este um espaço dedicado à partilha de informações valiosíssimas, e porque acredito que visitas à capital inglesa incluam frequentemente compras animadas, não poderia jamais deixar de partilhar a assombrosa e emocionante história que se segue. 
Contextualizando: Oxford Street. Um Domingo cinzento. Dentro de uma loja de departamento (que não a das imagens), na secção de calçado, uma blogger passeava com toda a tranquilidade. A área estava quase vazia, é um facto. Ainda assim, alheia a isso, a minha atenção saltitava entre belíssimas sandálias, ténis de pele e saltos vertiginosos. De um momento para o outro, enquanto eu pegava num sapato para mostrar quão apaixonada estava por ele, vislumbrei pelo canto do olho uma senhora a mover-se galopantemente na minha direcção. Chegada ao seu destino e, de olhos tão abertos que só por pouco não rebolaram uns globos oculares pelo rosto fora, proferiu imortais palavras: "Vou ter de pedir-vos que saiam!"
Assustada, cheguei a pensar que a minha intimidade com um sapato poderia ter despertado a ira da assistente de loja. E antes que pudesse dizer o que quer que fosse, a mesma dama continuou: "A saída mais próxima é aquela!" como que em jeito de "Rua da minha loja, sua asquerosa". O nível da coisa foi tão forte que temi que as palavras seguintes fossem: "Sai do meu país, portuguesa irresponsável!". Mas não. A explicação era outra. A loja ia fechar. De uma maneira aparentemente tão brusca que nem hipótese havia para pagar uma peça de roupa que descansava delicadamente no braço da minha companhia. Exactamente o contrário da vendedora, que claramente ignorou quaisquer subtilezas, naquele que foi claramente um momento de pressa insana.
Com sorte pode ser que na vossa próxima visita a uma loja de departamento londrina sejam brindados com este nível de atendimento. Façam figas!

sexta-feira, 15 de maio de 2015

Um monstro peludo e imobiliário

Para mim Londres é uma cidade encantada. Entre cheiros, céus em alucinante mutação e imagens sedutoras, vive um mundo à parte. Um mundo de drama. Terror. Decadência. Com um sorriso tão maternal quanto maliciosos Londres brinda-nos com um "Bem vindos à procura de casa!"
Antes de me mudar para cá fui brindada com a estonteante sorte de ter quem encontrasse uma acomodação para mim. No dia em que deixei Portugal, lá estava ela à minha espera. Tão bem localizada quanto britânica. Tão confortável quanto moderna. Toda minha por um mês.
As histórias de terror que me haviam sido contadas impulsionaram-me rapidamente para a acção imobiliária. E assim, uma semana depois de me ter tornado uma habitante da capital inglesa, achei por bem iniciar aquela que viria a ser uma das maiores aventuras vividas até à data.
Entre imobiliárias e sites (como o Right Move) a procura foi-se revelando bem mais dura e pavorosa do que eu alguma vez poderia imaginar. Que o preço das habitações londrinas era pesado já eu sabia. Mas ninguém me podia preparar para o filme de terror em entrei. Porque uma pessoa pensa que, se vai pagar bem, vai com certeza viver bem. Sim? Não! Nunca! Não se deixem enganar pelo aspecto distinto e simpático de muitos dos edifícios londrinos. As coisas que se passam atrás de maravilhosas portas coloridas pertencem a uma realidade paralela. Entre entradas labirínticas e escuras, janelas de casa de banho à mão de semear (alerta meliantes e outros curiosos), despensas com aspecto de gruta, buracos na parede, tectos bolorentos e bairros tenebrosos, houve de um tudo e muito mais.
Das 13 casas visitadas por mim, há sem dúvida uma que lembro com saudade. O cenário: uma rua linda, bem iluminada, numa área muito desejável. Uma única porta feia, como que enfiada entre outras bem cuidadas. O destino! Lá dentro, o paraíso da bizarria. Inexistência de luz. Corrimão abanante, com tinta a cair. Piso plástico, sujo e peganhento. Janelas ora chiadoras ora partidas. Tudo isto no corredor do prédio. Dentro da habitação a situação, ainda que não tão horripilante, não era melhor. Uns segundos depois de sair daquela espelunca sem limites, cruzei-me com um casal que, na companhia de outro agente imobiliário, se preparava para conhecer aquela maravilha, quiçá na esperança de encontrar um ninho de amor. Eu estava confiante que o terror deles seria tão grande quanto o meu. Mas não! Aparentemente ficaram encantados. E assim, minutos depois de terem subido aquelas escadas infernais, desceram-nas com um brilho nos olhos e um compromisso nas mãos. Enfim... memórias que deixam saudade.
Eu só queria uma casa. Com um quarto. Bem localizada. Segura. Limpa. Num bairro simpático.
Depois de 12 fracassos, à 13ª foi de vez. Quase quase no fim do prazo para a mudança, deparei-me com o espaço ideal.
Segunda fase do drama: provar ao senhorio que conseguiria suportar o custo da renda. Sim. Se conseguirem escapar às violentas garras da imundice londrina e encontrar um espaço para serem felizes, ainda assim vai haver entre vocês e o vosso lar doce lar todo um ataque burocrático. Entre extractos bancários, contratos de trabalho e referências de carácter, é pedido ao arrendatário todo um mundo de provas. E de dinheiro, claro. 
Mas no fim, mesmo com todos os espaços ranhosos, com todos os cantos urinados, com horror de preços praticados no centro da cidade e com com todas as dificuldades, viver em Londres é mesmo a melhor coisa do mundo!


quarta-feira, 6 de maio de 2015

O primeiro de muitos...

Depois de muitos falsos alarmes, eis que hoje sim! O comboio de palavras que é o Oh No, Not Another Emigration Blog! vai abrir portas.
Escrito igualmente pela Muito Pipi, este será um espaço de partilhas diferentes, no conteúdo e na forma, com os holofotes dirigidos à vida londrina.
Para quem não conhece a Muito Pipi, fica a introdução: no final de 2014 esta vossa blogger (ver Um Blog Muito Pipi) mudou-se do centro Português para o sul Inglês. Londres foi a cidade escolhida e eis que, mais de 6 meses depois, todo um universo de experiências começam hoje a ser descarregado aqui.
Para marcar este momento solene deixo-vos um selecção de imagens da capital inglesa captadas nos últimos meses. Como que em jeito de aperitivo para os posts que se seguem.


E no próximo episódio: o grande monstro peludo e feio que é procurar casa em Londres.